AS IMPLICAÇÕES DA MODERNIDADE LÍQUIDA NA PASTORAL UNIVERSITÁRIA: FAZER PASTORAL EM TEMPOS LÍQUIDOS[1]

Uatos Pires Pereira*

Solange Maria do Carmo**

A modernidade líquida é o sitz im leben (contexto vital) no qual se desenvolve a Pastoral Universitária (PU) assim como toda pastoral da Igreja hoje. O reconhecimento dessa realidade é fundamental para se traçar novos projetos de evangelização, que devem ser enraizados na prática existencial. Olhar o passado com saudosismo não ajuda na difusão do evangelho. Assumir o tempo presente, com suas alegrias e esperanças, tristezas e angústias, é condição para uma ação pastoral eficaz.

Tempos de crise

            Na obra Em busca da política, Bauman identifica que a sociedade contemporânea passa por um momento de crise. No intuito de chegar a uma compreensão acurada dessa crise ele assinala duas possíveis respostas:

A resposta óbvia e simples (que parece óbvia porque simples) a essa inquietação seria apontar o pequeno volume de idéias estranhas e sem precedentes que destroem expectativas geradas e nascidas em épocas quando as coisas mudavam muito mais lentamente. Diz-se que, embora o mundo tenha estado sempre em mudança, nunca antes as mudanças foram tantas nem tão profundas e que o rápido aumento da quantidade e profundidade das mudanças tornam muito mais difícil a permanente tarefa humana da auto-orientação.

Um pouco menos óbvia mas resposta também relativamente simples seria assinalar que nunca antes eventos e transformações fundamentais que marcam as gerações envelheceram e desapareceram tão rápido quanto hoje, sucedendo-se com enorme velocidade, e que consequentemente os períodos de tempo de gerações específicas são hoje mais curtos do que nunca – alguns anos e não algumas décadas (BAUMAN, 1999, p. 147-148).

O momento atual é caracterizado pela ansiedade (cf. BAUMAN, 1999, p. 148), visto que há uma procura constante por respostas e definições, mas o máximo que podemos chegar são especulações que caiem no campo da incerteza[2]. Com isso, na atualidade nos deparamos com pessoas cada vez mais angustiadas por diversos motivos (financeiro, estético, religioso, acadêmico, etc.). Para Bauman, essa angústia é fruto da vastidão de possibilidades que são apresentadas ao homem, sendo que seu poder de escolha é limitado, todavia é falsamente colocado como infinito pelo marketing.

Nas novas circunstâncias, o mais provável é que a maior parte da vida humana e a maioria das vidas humanas consuma-se na agonia quanto à escolha de objetivos, e na procura dos meios para os fins, que não exigem tanta reflexão. […] A pergunta “o que posso fazer?” passou a dominar a ação, minimizando e excluindo a questão “como fazer da melhor maneira possível aquilo que tenho que não posso deixar de fazer?” (BAUMAN, 2001, p. 73).

            Observando essa instabilidade atual, Bauman (2001) conceitua a contemporaneidade como modernidade líquida, constatando uma crise marcada pelas rápidas e constantes mudanças que ocorrem na sociedade. Talvez ainda seja cedo para fazer um juízo moral acerca da atualidade dizendo se ela seja boa ou ruim, mas é perceptivo que o homem e sua forma de se relacionar com os outros e com o mundo vem passando por mudanças constantes.

Relações liquefeitas

Para Bauman, a sociedade atual pode ser definida como uma versão individualizada e privatizada da modernidade, e o peso da trama dos padrões e a responsabilidades pelo fracasso caem principalmente sobre os ombros dos indivíduos. Chegou a vez da liquefação dos padrões de dependência e interação. Eles são agora maleáveis a um ponto que as gerações passadas não experimentaram e nem poderiam imaginar (2001, p. 15).

As mudanças são uma constante na contemporaneidade e suas consequências são inevitáveis para os indivíduos. Nesses tempos instáveis, o indivíduo ganha centralidade, pois tudo ao seu redor se liquefaz constantemente, na velocidade de um sinal eletrônico. A instantaneidade é marca registrada da modernidade líquida. A cada instante, um novo produto é lançado no mercado e os indivíduos são levados a se refazerem em função dos lançamentos, visto que consumir é condição vital nesse contexto líquido.

Na lógica do consumo, até as relações humanas se tornam produto a ser comercializado em vista da sobrevivência na liquidez. Com isso, “laços e parcerias tendem a ser vistos e tratados como coisas a serem consumidas, e não produzidas; estão sujeitas aos mesmos critérios de avaliação de todos os objetos de consumo” (BAUMAN, 2001, p. 205). O outro passa a ser dimensionado pela utilidade que ele tem e não pelo o que ele é. Por isso, quando deixa de ser útil ou causa algum problema, a pessoa é descartada como um objeto que se tornou obsoleto. Exemplo disso são as redes sociais. Nelas, milhares de pessoas se relacionam virtualmente, mas, em um click, qualquer um pode ser excluído.

As relações virtuais são uma marca forte da modernidade líquida, pois o espaço virtual é extremamente fluido. Nas redes sociais, os conflitos são “facilmente” resolvidos, pois as pessoas ou os perfis podem ser constantemente adicionados ou excluídos, mudando apenas o número de amigos virtuais. Além disso, a multiplicidade de amigos ou seguidores elimina a obrigação de dar atenção a cada um deles. Nota-se um isolamento do indivíduo que, mesmo sendo seguido por milhares de pessoas, sente-se sozinho em meio à liquidez da existência. Há uma verdadeira política de precarização, conduzida pelo mercado de trabalho e apoiada pelas políticas de vida. Como resultado, observamos o enfraquecimento e decomposição dos laços humanos, das comunidades e das parcerias. “Compromissos do tipo ‘até que a morte nos separe’ se transformam em contratos do tipo ‘enquanto durar a satisfação’” (BAUMAN, 2001, p. 204-205).

Imediatismo e consumismo

Para Bauman, a sociedade atual é marcada pelo um imediatismo. “No estágio líquido da modernidade, só são fornecidos arreios com zíper, e o argumento para sua venda é a facilidade que podem ser usados pela manhã e despidos a noite (ou vice-versa)” (BAUMAN, 2001, p. 211). Subjacente a esse imediatismo encontra-se a cultura do descartável, que é alimentada pelo consumismo desregrado. Os produtos já são lançados praticamente desatualizados, pois o próximo já está na linha de produção.

Nessa esteira do pensamento, também o ser humano torna-se objeto de consumo, e a existência humana fica caracterizada como um grande shopping center, com diversas vitrines, todas elas recheadas de possibilidades que podem ser compradas com a moeda chamada tempo e retiradas nas sacolas das escolhas humanas. Não se pode perder tempo refletindo sobre o que comprar, pois ele é precioso e pode acabar a qualquer momento. Por isso, também não se deve gastar tempo constituindo laços humanos duradouros, pois provavelmente não restará tempo para desfrutar dessa relação.

Esforços para manter à distância o “outro”, o diferente, o estranho e o estrangeiro, e a decisão de evitar a necessidade de comunicação, negociação e compromisso mútuo, não são a única resposta concebível à incerteza existencial enraizada na nova fragilidade ou fluidez dos laços sociais. Essa decisão certamente se adapta à nossa preocupação contemporânea obsessiva com poluição e purificação, à nossa tendência de identificar o perigo para a segurança corporal com a invasão de “corpos estranhos” e de identificar a segurança não-ameaçada com a pureza (BAUMAN, 2001, p. 138).

Transcendência sob outra ótica

O homem e a mulher da modernidade líquida vivem angustiados, pois convivem diariamente “com o risco da autorreprovação e do autodesprezo… com os olhos postos em seu próprio desempenho” (BAUMAN, 2001, p. 52). Aumenta, pois, o desejo de realização e o cansaço pelas frustações cotidianas. Com isso, a relação com a transcendência torna-se um refúgio para se depositar as problemáticas cotidianas e a fé, com todo seu entorno, torna-se um objeto de consumo, que é oferecido em diversos modelos pelas mais variadas “igrejas” para os distintos gostos (NERY; VASCONCELLOS, 2014, p. 128).

Em 2005, o Papa Bento XVI tratou da comercialização da religião em sua homilia no encerramento da Jornada Mundial da Juventude em Madri:

[…] existe, ao mesmo tempo, também um sentimento de frustração, de insatisfação de tudo e de todos. É espontâneo exclamar: não é possível que esta seja a vida! Deveras, não. E assim, juntamente com o esquecimento de Deus existe um “boom” do religioso. Não quero desacreditar de tudo o que existe neste contexto. Pode existir nisto também a alegria sincera da descoberta. Mas, para dizer a verdade, não raramente a religião se torna quase um produto de consumo. Escolhe-se aquilo de que se gosta, e alguns sabem até tirar dela um proveito. Mas a religião procurada a seu “bel-prazer” no fim não nos ajuda. É cômoda, mas no momento da crise abandona-nos a nós próprios.

O individualismo e o imediatismo da modernidade líquida influenciam diretamente na vivência religiosa das pessoas. O indivíduo da modernidade líquida é muito atarefado e não pode “perder” tempo. “Antes de se ter tempo de pensar na eternidade, a hora de dormir está chegando e, depois, um outro dia transbordante de coisas a serem feitas ou desfeitas” (BAUMAN, 1998, p. 210). Com a falta de tempo para pensar na eternidade, a religião – e toda relação com a transcendência – perde sua funcionalidade social, visto que a escatologia é o princípio básico das religiões.

Não há tempo para cogitar a eternidade; o importante é o aqui e o agora ou, em outras palavras, o instantâneo. Segundo Bauman (1998, p. 211), “a esperança da vida eterna, o sonho e o horror do inferno não são a questão da partenogênese, embora seja disso que os filósofos da religião quase conseguiram nos convencer”. Existem muitos problemas no presente a serem resolvidos, por isso um discurso centrado na possibilidade da vida eterna não é mais encantador.

Tendo dado centralidade ao indivíduo, a vida comunitária fica relativizada, pois como falar de comunidade em tempos nos quais a sociedade está fortemente marcada pela fragmentação social e fluidez das instituições: família, relacionamentos, religiões, partidos políticos, sindicatos associações diversas. Para Bauman, as instituições “não são mais as forças determinantes e definidoras das identidades” (BAUMAN, 2000, p. 33). Na modernidade líquida, o indivíduo está lançado à liquidez das incertezas e não á solidez das estruturas institucionais.

Privatização da religião

A busca pela felicidade é latente na modernidade líquida. Todavia, essa busca é pautada pelo individualismo, pois cada indivíduo acredita ser possível chegar sozinho à felicidade. No campo religioso as pessoas tendem a buscar o sagrado sem especificamente aderirem a uma experiência religiosa ou procuram denominações religiosas que satisfazem seus desejos e não se preocupam tanto com os códigos doutrinários, mas com o resultado imediato que sua escolha irá lhe trazer.

Faz muito mais sentido ao indivíduo pós-moderno construir a própria experiência religiosa que pode até agregar características de uma religião tradicional, mas sem se limitar a elas. O religioso passa a escolher no que crer e não aceitar tudo que a instituição lhe impõe, passando, assim, a vivenciar uma religião à la carte, personalizada ao gosto do cliente, e adotando apenas crenças e tradições que façam sentido no próprio sistema de valores e narrativa pessoal de vida. (NERY; VASCONCELLOS, 2014, p. 128).

A religião passa a ser construída segundo os interesses dos indivíduos. Diante de tantas ofertas religiosas, é possível bricolar as partes e constituir uma religião para si, independente das instituições. Os livros sagrados, como a Bíblia, correm o risco de serem interpretados para suprir carências individuais; torna-se um livro de autoajuda. Com isso, religião fica colocada a serviço do bem-estar e da satisfação pessoal. Ela é privatizada e, por isso, moldada para responder as necessidades do indivíduo. Afinal, na modernidade líquida, o sofrimento é um produto estragado que precisa ser retirado das prateleiras da existência e a felicidade se faz no aqui e no agora; tudo que a ameaça deve ser eliminado. Para Bauman, na modernidade líquida, “os homens e as mulheres são naturalmente tentados a reduzir a complexidade de sua situação a fim de tornarem as causas do sofrimento inteligíveis e, assim, tratáveis” (2000, p. 52).

Segundo Melchior, os contemporâneos se entendem como centro da vida e todas as coisas devem estar a serviço de seus desejos. Até mesmo Deus, se quiser assegurar sua existência, deve se enquadrar nesse esquema. Caso contrário, também será expulso da existência humana (2009, p. 2). Esse é um dos motivos do expressivo crescimento de denominações religiosas intimistas, sobretudo nas correntes neopentecostalistas, em que se promete o alívio imediato de sofrimentos e angústias.

O processo de secularização na modernidade líquida não almeja o fim da religião, mas que o ser humano seja o seu centro. Quase sempre, não importam as normas morais e os compromissos éticos da religião, desde que esta ofereça a felicidade imediata. A felicidade eterna ficou no imaginário dos medievais. O contemporâneo quer experimentar agora a felicidade, pois esperar não é algo possível quando se está imerso na liquidez e na compulsão dos tempos atuais.

Consequências na vida dos universitários

No ambiente universitário, a escassez de tempo também se faz perceptível. A falta de tempo é uma marca da vida estudantil e os universitários estão sempre sobrecarregados de textos para ler, trabalhos para fazer, pesquisar para realizar, estudos a serem colocados em dia. Quando se considera que cerca de 70% dos universitários trabalham[3], isso fica ainda mais grave. Administrar o tempo do trabalho, do lazer e de outros interesses de forma a não prejudicar a vida acadêmica é tarefa árdua. Se se considera que o objetivo principal de um universitário é estudar para terminar o curso e conseguir um emprego que lhe dê estabilidade, prioridade deverá ser dada às tarefas acadêmicas. Diante de tanta coisa a fazer, arranjar tempo para a prática religiosa, frequentando um grupo, associação ou pastoral pode ser visto como desperdício de tempo. A ação pastoral da PU deve estar atenta a essa realidade dos universitários, para não traçar planos utópicos que exigirão muita dedicação dos mesmos. Deve-se levar em consideração que […] Só restam ao estudante os fins de semana e os feriados para corresponder com mais calma e profundamente a essas exigências, principalmente às vésperas de provas e exames. E, com isso, é quase nada o tempo que sobra para a formação do grupo cristão, para o desenvolvimento de seu processo pedagógico, para a programação de sua ação apostólica (GUSSO, 1977, p. 17).

São muitas atividades a serem realizadas: trabalhos, seminários, provas, etc. O presente é tão exigente, que não sobra espaço para pensar a eternidade. Para o contemporâneo, marcado pelo presentismo, o inferno e o céu se projetam no agora e, para o universitário, essas realidades se dão nos resultados das atividades acadêmicas. Uma reprovação pode custar a liquefação de todo um projeto pré-estabelecido seja por ele ou por seus familiares.

Entende-se que o destino de cada indivíduo está em suas próprias mãos e somente ele é capaz de tornar realidade aquilo que foi projetado. Com isso, a preocupação em pedir ajuda ao transcendente para a realização das atividades se tornou desnecessária, visto que o ser humano se entende capaz de superar com esforços os seus problemas.

Para Bauman, o homem contemporâneo não tem mais interesse pela vida eterna: A idéia de auto-suficiência humana minou o domínio da religião institucionalizada não prometendo um caminho alternativo para a vida eterna, mas chamando a atenção humana para longe desse ponto; concentrando-se, em vez disso, em tarefas que os seres humanos podem executar enquanto ainda são “seres que experimentam” – e isso significa aqui, nesta vida (BAUMAN, 1998, p. 213).

Em meio a esse contexto, a PU vê-se na obrigação de nadar contra a corrente, pregando o bem-comum e constituindo comunidades dentro das universidades. Todavia, emerge o problema de encontrar um ponto em comum para congregar essas comunidades, levando em consideração que o imediatismo da modernidade líquida exige que se tenha resultados imediatos. Acrescenta-se a isso a escassez do tempo dos universitários. Por isso, é preciso “promover a interação, o diálogo e a unidade dos diversos grupos cristãos presentes na vida e no contexto que as Instituições de Ensino Superior estão inseridas” (CNBB, 2013, p. 13).

O método de demonizar o novo e o inexplicável aos olhos da religião pode até ter funcionado na Idade Média, mas não se aplica na modernidade líquida. Ao invés de demonizar a realidade atual e se estagnar no saudosismo em que a maioria das pessoas eram católicas e que ser católico dava um status social, a PU deve olhar para atualidade como um campo de missão, não nos moldes proselitistas, mas numa perspectiva de diálogo e de encontro pessoal com Cristo. Cada período tem seus desafios, que podem ser superados por meio de uma pastoral intimamente ligada à realidade. Os bispos da América-Latina e Caribe ousaram reconhecer os limites da ação evangelizadora da Igreja na atualidade:

Na evangelização, na catequese e, em geral, na pastoral, persistem também linguagens pouco significativas para a cultura atual e em particular para os jovens. Muitas vezes as linguagens utilizadas parecem não levar em consideração a mutação dos códigos existencialmente relevantes nas sociedades influenciadas pela pós-modernidade e marcadas por amplo pluralismo social e cultural. As mudanças culturais dificultam a transmissão da Fé por parte da família e da sociedade. Frente a isso, não se vê uma presença importante da Igreja na geração de cultura, de modo especial no mundo universitário e nos meios de comunicação social. (DAp, 2007, p. 55)

Os princípios cristãos ainda continuam tendo sua validade, todavia a metodologia com que esses são apresentados talvez não corresponda à realidade da modernidade liquida. Provavelmente seja por isso que frequentemente se observa líderes religiosos lamentando o insucesso das missões. Visto que o método continua o mesmo em tempos que exigem outros. O caráter eterno do discurso religioso, por si, não atrai o homem da modernidade líquida que vê suas referências humanas e teóricas se dissolverem constantemente.

Como antes, o corpo continua mortal e portanto transitório, mas sua brevidade parece uma eternidade quando comparada à volatilidade e efemeridade de todos os quadros de referência, pontos de orientação, classificação que a modernidade líquida põe e tira das vitrines e prateleiras. A família, os colegas de trabalho, a classe e os vizinhos são fluidos para que imaginemos sua permanência e os creditemos com a capacidade de quadros de referência confiáveis. (BAUMAN, 2001, p. 227-229).

O contemporâneo está fragmentado e sedento por realização. Acrescenta-se a isso o cansaço das meta-narrativas das instituições religiosas e da ciência que prometem a felicidade, mas não atingem os problemas cotidianos. Mais do que discursos eloquentes, o indivíduo quer um post de poucas linhas nas redes sociais que possa alimentar seu desejo por realização. Por isso, a objetividade pode ser um caminho a ser trilhado pela PU para fazer pastoral nessa liquidez contemporânea. Deixar de lado os esquemas prontos e dar oportunidade á novidade do espírito, parece ser arriscado, mas é preferível arriscar que ficar estagnado nos esquemas saturados pelo tempo.

A modernidade solida colocou o protagonismo nos esquemas, deixando o indivíduo como coadjuvante. Na modernidade líquida, o indivíduo quer ser protagonista de sua história. Por isso, é preciso se emancipar de tudo que cerceia, inclusive dos esquemas rígidos de espaço e tempo, cuja compreensão mudou com a chegada do mundo virtual. Este possibilita o acesso a um mundo de informações com um simples clique sem sair do lugar.

[…] a passagem da fase “sólida” da modernidade para a “líquida” – ou seja, para uma condição em que as organizações sociais (estruturas que limitam as escolhas individuais, instituições que asseguram a repetição de rotinas, padrões de comportamento aceitável) não podem mais manter sua forma por muito tempo (nem se espera que o façam), pois se decompõem e se dissolvem mais rápido que o tempo que leva para moldá-las e, uma vez reorganizadas, para que se estabeleçam. É pouco provável que essas formas, quer já presentes ou apenas vislumbradas, tenham tempo suficiente para se estabelecer, e elas não podem servir como arcabouços de referência para as ações humanas, assim como para as estratégias existenciais a longo prazo, em razão de sua expectativa de vida curta: com efeito, uma expectativa mais curta que o tempo que leva para desenvolver uma estratégia coesa e consistente, e ainda mais curta que o necessário para a realização de um “projeto de vida” individual (BAUMAN, 2007, p. 7).

A modernidade líquida exige da Igreja uma atitude de abertura. Desde o Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965), essa abertura tem sido propagada. Atualmente, o Papa Francisco convoca a Igreja para uma atitude de saída, isto é, chama a comunidade eclesial a abrir as portas, rever as estruturas e, especialmente, dialogar com o mundo.

Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo. […] Um país cresce, quando dialogam de modo construtivo as suas diversas riquezas culturais: cultura popular, cultura universitária, cultura juvenil, cultura artística e tecnológica, cultura econômica e cultura familiar e cultura da mídia (FRANCISCO, 2013, p.  42).

Um olhar de esperança

            O Documento de Aparecida apresenta que

A pastoral da Igreja não pode prescindir do contexto histórico onde vivem seus membros. Sua vida acontece em contextos socioculturais bem concretos. Essas transformações sociais e culturais representam naturalmente novos desafios para a Igreja em sua missão de construir o Reino de Deus. Dai nasce, na fidelidade ao Espírito Santo que a conduz, a necessidade de uma renovação eclesial que implica reformas espirituais, pastorais e também institucionais (§ 367).

O Papa afirma que é preferível “uma Igreja acidentada, ferida, enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (Evangelii Gaudium, 49). Com isso, no âmbito universitário, a PU deve se abrir ao diálogo com todos, buscando estabelecer laços que fortifiquem a vida comunitária na academia, mesmo que para isso sejam necessários os embates de ideias.

Portanto, em meio a esse ethos líquido, em que a única certeza que temos é de que tudo é incerto, a PU vê-se obrigada a rever suas práticas pastorais. Nossa sociedade é regida pela conectividade, mas que não gera conexão entre as pessoas, sendo que as interações são realizadas mais com as telas. Agrega-se a isso o imediatismo que não almeja a eternidade, mas a vivência estrema de cada momento desta vida.  Por isso, é pertinente olhar para a realidade e constatar os limites e as possibilidades da PU, para pensar o agir pastoral nesses tempos líquidos.

 

[1]Artigo resultante do trabalho de pesquisa do aluno de graduação em teologia Uatos Pires Pereira, sob a orientação da professora Drª Solange Maria do Carmo, financiado pela FAPEMIG, a quem agradecemos o apoio, e vinculado ao PROBIC da PUC-Minas.

*Especialista em Juventude no mundo contemporâneo – FAJE; graduando em Teologia – PUC Minas. E-mail: [email protected].

**Professora da PUC-Minas, mestre em Teologia Bíblica e doutora em Teologia Catequética – FAJE. E-mail: [email protected].

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUMAN, Zygmunt. Em busca da política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.

_________________. Medo líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.

_________________. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

_________________. O Mal Estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

BENTO XVI, Papa. Homilia de sua Santidade Bento XVI – Colónia, Esplanada de Marienfeld – Domingo, 21 de agosto de 2005. Disponível em: <https://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/homilies/2005/documents/hf_ben-xvi_hom_20050821_20th-world-youth-day.html>. Acesso em: 29 de julho 2017.

CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO. Documento de Aparecida: texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. 1ª edição, 2008. 15ª reimpressão, 2014. Brasília: Edições CNBB, São Paulo: Paulus/Paulinas; 2014.

FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium – A Alegria do Evangelho: sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. 1ªed. Brasília: Edições CNBB, 2013.

GUSSO, Enzo Campos. Pastoral Universitária: uma proposta concreta. São Paulo, Loyola, 1977.

IDP – Instituto Data Popular – Universitários são da nova classe média. Disponível em:http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2012/10/09/7-em-cada-10-universitarios-sao-da-nova-classe-media-diz-pesquisa.jhtm. Acesso abril de 2015.

LIBANIO, João Batista. Jovens em tempo de pós-modernidade: considerações socioculturais e pastorais. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

MELCHIOR, Marcelo do Nascimento. A religião pós-moderna em Zygmunt Bauman. In: XI Simpósio nacional da associação brasileira de história das religiões. 2009. Goiânia. Anais…Disponívelem:<http://www.abhr.org.br/wpcontent/uploads/2013/01/art_MELCHIOR_pos_moderna_bauman.pdf>. Acesso em: 18 set. 2016.

NERY, Alberto Domeniconi; VASCONCELLOS, Esdras Guerreiro. Individualização e Fragmentação: efeitos da Pós-Modernidade no Cristianismo contemporâneo. Ciências da Religião: história e sociedade, São Paulo, v. 12, n. 2, p. 118-132, dez. 2014.

[1]Artigo resultante do trabalho de pesquisa do aluno de graduação em teologia Uatos Pires Pereira, sob a orientação da professora Drª Solange Maria do Carmo, financiado pela FAPEMIG, a quem agradecemos o apoio, e vinculado ao PROBIC da PUC-Minas.

*Especialista em Juventude no mundo contemporâneo – FAJE; graduando em Teologia – PUC Minas. E-mail: [email protected].

**Professora da PUC-Minas, mestre em Teologia Bíblica e doutora em Teologia Catequética – FAJE. E-mail: [email protected].

[2] […] A incerteza não é algo que reparamos, mas algo que criamos e criamos de modo novo e em maior quantidade, e criamos através dos esforços para repará-la (BAUMAN, 1999,          p. 150).

[3] Segundo pesquisa feita por IDP – Instituto Data Popular, em 2012.

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