O encontro com Deus, a partir da fé cristã, nos impulsiona ao encontro com o próximo. Como viver então a fé cristã em tempo de distanciamento social? Partindo desse questionamento, é preciso considerar que o distanciamento social, o isolamento social ou o regime de quarentena, tem uma causa, um início e não será definitiva. Sabemos que o motivo dessas necessárias medidas é a crise global, causada pela pandemia do COVID-19, sem precedentes na história. Assim, faz-se necessário observarmos e seguirmos as orientações e os cuidados a partir dos direcionamentos dos especialistas da ciência e da medicina, bem como o que regem as autoridades sanitárias. Cabe às autoridades civis buscarem seguros esclarecimentos científicos para tomarem as devidas providências capazes de conter o agravamento da situação.
Para as pessoas de fé, é prudente e louvável seguir os cuidados orientados pelos especialistas e, além disso, não menos importante, dar um testemunho de confiança em Deus que pode banir todo o mal que assola a humanidade. Deus em sua infinita bondade se serve da inteligência humana, guiada pela reta intenção, para solucionar os problemas que surgem no mundo. A esperança em Deus não descarta a contribuição da razão humana que, por meio do desenvolvimento científico, pode e deve ajudar encontrar meios para livrar a humanidade de todo este mal que coloca em risco a vida das pessoas.
A pandemia do COVID-19 tem causado mudanças na organização do sistema de saúde, nos demais organismos governamentais e em outras instituições que, a cada dia, precisam se desdobrar para prevenir as pessoas do contágio e tratar dos casos suspeitos e diagnosticados. Além das mudanças nesses setores, a crise global está reconfigurando toda a maneira de estruturar a economia, a política, a cultura, a educação e as diversas atividades humanas. Sendo assim, a crise atual tem influenciado igualmente a maneira de vivenciar e celebrar a fé.
A Igreja Católica vem orientando os fiéis a viverem e a celebrarem a fé, levando em consideração medidas específicas para o bem de todos e a preservação da vida. Em tempos de isolamento social, os fiéis católicos foram orientados a evitar aglomerações e, consequentemente, a permanecerem em suas casas. Tal distanciamento, porém, nunca será motivo para deixarmos de fazer a experiência dos mistérios da fé transmitidos pela cultura cristã.
Em “tempos normais”, a prática de fé cristã é sempre comunitária e conduz à vivência comunitária, como sempre foi na cultura cristã. Mas é importante ressaltar que não estamos em “tempos normais” e, por isso, precisamos de repensar como viver e celebrar a Fé Católica na atual realidade. Devemos sempre recorrer às inspirações divinas para que o espírito humano, nestes tempos desafiadores, seja ousado e criativo para fazer chegar aos corações das pessoas ou neles suscitar a mensagem tão antiga e sempre nova da esperança cristã.
Se, nos três primeiros séculos do cristianismo, a fé foi transmitida, nutrida e celebrada em família e nos lares, por ser uma religião perseguida e por não gozar do privilégio de cidadania, hoje a vivência da fé nos lares, como verdadeiras igrejas domésticas, é expressão da esperança cristã, da caridade fraterna e da solidariedade para que a situação não se agrave com o contágio em massa devido à aglomeração de pessoas. Viver a fé cristã nos lares, no atual contexto, é dar testemunho de amor fraterno sendo solidários para com o próximo e na corresponsabilidade com a vida, dom de Deus.
Sem poder sair de casa ou impedidos de celebrar a fé comunitariamente, os lares devem ser espaços privilegiados onde o fiel é chamado a comunicar-se com Deus, valendo-se dos costumes e ensinamentos da cultura católica. A família, inspirada pela cultura cristã, precisa considerar os lares como berço da vida e lugar de propagação e vivência da fé, tendo os pais como os primeiros responsáveis pela transmissão e pelo fortalecimento da mesma, através da oração em família e dos ensinamentos da Palavra de Deus e da Doutrina Católica.
É fundamental que as famílias aproveitem a ocasião para valorizarem o convívio, ressignificando o distanciamento social. Impossibilitados de participarem, presencialmente, das celebrações litúrgicas e de outras, nas igrejas, as famílias são convidadas a rezarem através das celebrações e momentos orantes transmitidos pelos diversos meios de comunicação.
Outra coisa essencial é considerarmos que o encontro com Deus em realidade de distanciamento social, não justifica a indiferença com a dor e o sofrimento alheio e com as realidades que angustiam a tantos. O distanciamento social não deve nos distanciar das periferias geográficas e existenciais. O isolamento nas casas não pode nos isolar dos sofrimentos das pessoas. Sejamos ousados e criativos para Ver a necessidade dos que sofrem; tenhamos Compaixão sendo solidários; e Cuidemos do próximo através de gestos concretos para com aqueles que não têm um lar para viver ou vivem em realidades sub-humanas.
O que nos consola é saber que as medidas restritivas são passageiras e seu objetivo é garantir o bem de todos, evitando o contágio. Mas, depois que tudo passar, devemos já estar preparados, pois quase nada será como antes. Esta crise global tem muito a nos ensinar nas diversas dimensões da vida. Evoluções em diversos setores, que aconteceriam em uma década, já estão acontecendo em um curto período de adequação à crise atual. Não pode ser diferente com a dimensão espiritual. Alimentados por essa esperança, façamos deste tempo um momento especial que exigirá de nós a sensibilidade para lermos os sinais dos tempos, a ousadia cristã e a criatividade para nos comunicarmos com Deus nutrindo e vivenciando a nossa fé.
Pe. Luciano da Silva Roberto
Assessor do Setor Cultura – CEPEC/CNBB