As discussões em torno do item “educação” dos programas de candidatos à Presidência do Brasil trazem à tona algumas questões que necessitam ser amplamente discutidas com a sociedade. Nós conversamos com o arcebispo coadjutor de Montes Claros (MG) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Cultura e Educação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom João Justino de Medeiros Silva, sobre pontos importantes das propostas.

A hipótese de privatização do ensino superior, através de cobranças de mensalidades dos estudantes ou mesmo da ampliação das IES privadas, inclusive com subvenções governamentais, é um caminho válido para a melhoria da qualidade do ensino e da instituição? Que interesses estão postos com essa decisão?

“A educação é direito do cidadão e dever do Estado” preconiza a Constituição Cidadã de 1988. É uma política pública, justamente porque é um direito social.  É verdade que tal declaração se refira preponderantemente sobre o ensino fundamental, como também orienta para um progressivo incentivo para o acesso universal ao ensino médio. Especialmente sobre o ensino superior encontramos o artigo 208, V, onde se repete ser também aqui um “dever do Estado permitir o ingresso das pessoas aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”.

Há também o artigo 206, IV, que prevê a gratuidade do ensino público em instituições oficiais financiadas com recursos públicos, em qualquer nível escolar. Este princípio constitucional quer garantir o acesso de estudantes de classes mais pobres e populares também no ensino superior.

Preocupa-nos que o ensino superior seja tratado cada vez mais segundo lógica da competitividade do mercado de trabalho, desmerecendo o seu caráter humanístico e crítico-reflexivo. E ainda mais, quando se dificulta o acesso dos jovens oriundos dos meios populares à universidade. Reforçamos a defesa da universalização do ensino público com qualidade e integralidade, ou seja, nos seus aspectos de graduação, pesquisa e extensão. Iniciativas como as cotas também são instrumentos válidos para garantir a justiça social no acesso ao ensino superior.

Muitos defendem e muitos criticam a política de cotas para o acesso à universidade pública. Que considerações o senhor tem a fazer sobre este tema?

Do ponto de vista do indivíduo, a educação pode proporcionar a possibilidade de uma vida um pouco mais digna, através do trabalho qualificado. E, nisso, as cotas fazem parte de um conjunto de medidas que certamente abrem um leque de oportunidades para quem mais precisa. Só faria sentido falar-se em “meritocracia” numa sociedade ideal, onde todos partissem do mesmo ponto, com as mesmas condições; e é bastante claro que isso não acontece em nosso país. E, como houve também um aumento no número de vagas nas universidades, não há como dizer que o sistema teria prejudicado alguém. Já do ponto de vista da sociedade, a educação tem a função de proporcionar o desenvolvimento aliado à justiça social. Para isso é importante uma educação de qualidade – e não há dados que indiquem que as cotas teriam diminuído a qualidade do ensino superior.

Por fim, uma questão importante que se levanta a esse respeito é sobre a importância de se investir na educação pública de base, o que daria automaticamente melhores oportunidades para todos. É a situação ideal, e infelizmente muito pouco foi feito nesse sentido. Mas, enquanto não se chega a esse ideal, não se pode, de forma alguma, retroceder numa política que representa uma importante forma de inclusão social.

Como pode ser pensada a valorização dos professores?

É importante pensar a formação continuada do professor, por meio das Pós-Graduações, atualizações pedagógicas e inserção em atividades de pesquisa. Neste sentido, penso ser importante a valorização da CAPES e das agências de fomento como CNPq e Fape’s. Observa-se que a expansão das IES públicas e privadas foi desacompanhada de política de formação, e muitos dos atuais professores demandam por incentivos de capacitação.

Outro aspecto a ser considerado é a oferta de mais autonomia para gerir recursos de pesquisa, possibilidade de opinar nas políticas educacionais, e estrutura de trabalho. As novas estruturas de EAD (que são ferramentas e não substitutos), por exemplo, precisam ser construídas com critérios pedagógicos e não apenas políticos.

A valorização dos professores também passa pela escuta das associações e sindicatos de professores das públicas e privadas, até porque a educação não pode ser debatida sem seu principal agente. 

Como o senhor vê a proposta conhecida como “Escola sem Partido”? 

Minha primeira reação é de preocupação. Trata-se de uma proposta que provoca mais polarização que disposição ao diálogo. Concordo e defendo que nenhuma escola deva estar a serviço de ideologias partidárias. No entanto, a tese de total neutralidade é no mínimo ingênua e desconhece os processos do conhecimento. Do que pude ler e entender eu considero que o Movimento “Escola sem partido” toma o caminho jurídico-legal com o estabelecimento de uma série de proibições (com o projeto de uma lei ordinária), mas não consegue ser propositivo. Isto é, como os propositores pensam a relação pedagógica numa sociedade cheia de pluralismos? Como a Escola pode ser promotora do encontro entre as diferenças no respeito à pluralidade de opções?

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